terça-feira, 18 de outubro de 2011

Ressurreição

Queria encontrar um tempo de solidão, estar a sós comigo mesmo, com meus pensamentos e memórias, meus pesares e alegrias. Ali encontraria alento, certamente, se a esta calmaria pudesse chegar, mas tantas vezes desejo que isto me venha sem esforço, espero apenas, passivo diante das possibilidades que tenho, e meu desejo se frustra, nas tentativas várias que faço de por mim mesmo frustrar a possibilidade que chega sem esforço de minha parte. Sou contradição, fujo de mim querendo encontrar-me, e encontro-me querendo fugir de mim, quase sem pensar, como movimento involuntário que vejo alcançar-me e não tento contê-lo, permaneço passivo como passivo espero algum momento de solidão.

Surpreendo-me, então. Encontra-me Deus sem que eu O chame para perto de mim, sem que eu O espere chegar, sem que eu O deseje encontrar, tantas vezes. Vou até o lugar onde Ele me espera, é certo, mas sem muita vontade de vê-Lo por lá. Quisera estar a sós comigo mesmo e ali imaginava que poderia fugir da companhia de outros homens e estar sozinho, mas encontro na minha solidão uma outra companhia que jamais poderia furtar-se da minha. Vejo-O em meu coração, em toda parte, em todo movimento, em cada desejo que tenho, mesmo que seja contrário àquilo que Ele quer para mim: minha consciência não me deixa mentir. Olho o altar, então, e o vejo vazio, ao fundo um crucifixo, o tabernáculo e a lembrança do que me ensina a Igreja quando vejo aquela pequena luz vermelha acesa: Ele está em nosso meio. Já não posso querer apagar a lembrança de que Ele está sempre perto de mim, não posso estar a sós comigo mesmo sem tê-Lo por perto. Minha solidão já não pode subsistir, mesmo se fujo de qualquer companhia, meu Jesus está perto de mim. Olho o sacrário e tento imaginar o Cristo que ali se esconde, tentando esconder-me também ali, na paz silênciosa daquele pequeno espaço onde meu Deus resolveu se esconder para poder encontrar-me, surpreender-me quando tento fugir de tudo que me cerca e perturba. Encontro ali o coração de meu Jesus, aquele sinal que me recorda Sua presença, sinal que me faz tocar com meus sentidos o mesmo mistério que me faz recordar. Não somente me lembro, também me aproximo e posso tocar, saudade torna-se encontro, solidão torna-se comunhão, sofrimento torna-se sacrifício e minha morte, ressurreição.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Sacramento

Vejo-Te no Sacramento e não cabe
Dentro de mim o entendimento
Nem tampouco o gozo que me invade
Sem que eu faça de minha parte
Qualquer esforço ou movimento

Vês-me no Sacramento e não posso
Esquivar-me de Teu olhar e vontade
De ter-me aqui sempre perto de Ti
E estares assim sempre perto de mim
Para ter-me para sempre perto de Ti

Encontro-Te no sacramento e não sei
O que fazes no segredo do que eu não
Conheço nem sequer poderia conceber
E recebo dentro de mim o Amor que
Gerou o meu ser e me fez como sou

Encontras-me no sacramento e não posso
Jamais poderia merecer ter-Te perto
Nem tampouco assim tão perto, dentro
De meu corpo como alimento e unido
Totalmente agora a meu próprio ser

Comunhão, mistério que não posso querer
Mas quero com todo meu ser e não posso
E posso com minhas próprias mãos alcançar
E assim posso inteiro ter-Te inteiro comigo
Aquele que consigo me quer para sempre