terça-feira, 14 de junho de 2011

Naquela Noite

Era uma noite fria, diferente das outras. Noite de Páscoa, nós reunidos para a ceia, e no meu coração uma alegria presa querendo a todo custo sair. Olhavas profundamente em nossos olhos, como se quisesses ver um pouco mais de nós que nossos rostos, e naquele olhar eu já podia ver a saudade que nos esperava. Tive a impressão de ver umas poucas lágrimas descerem pelo teu rosto, mas não tive coragem de dizer nada. Esperei que nos falasses do que se passava no teu coração, as razões da saudade, do choro, do frio e do Teu ardente desejo de comer aquela Páscoa conosco. Sempre nos falavas do Teu coração, mas naquela noite foi diferente, deixaste que Teu coração mesmo nos falasse. Disseste palavras cheias de mistério que alcançaram meu coração como nenhuma outra dita por ti. Tomamos a ceia.

Ainda hoje não compreendo bem o que aconteceu naquela noite. Tanto medo, tanto choro, tantos gritos e eu, mudo, me escondi. Sei que não poderia ter feito muita coisa, e sei também que tiraste proveito de minha fuga e me deste viver um pouco mais para poder estar contigo de novo, no fim do caminho que ora começava. Durante o caminho até o Calvário não conseguia pensar em outra coisa senão naquela ceia, enquanto via o Senhor ser arrastado pelas ruas da cidade como um criminoso.

Não havia compreendido aquelas Tuas palavras de amor e mistério ditas naquela noite até que pude estar contigo ali, no alto do Calvário. Quanta dor, quanto sofrimento! Ouvi o Teu grito: "Pai, em Tuas mãos entrego o meu espírito." Num ímpeto de uma dor que não podia conter por ver-Te partir, abracei os Teus pés e beijei-os e logo que Teu sangue tocou meus lábios senti meu coração arder e em minha alma uma paz que não posso descrever. Foi quando entendi o mistério daquela noite, a Ação de Graças que celebravas conosco naquela Páscoa. Ao Teu sangue misturavam-se minhas lágrimas, à Tua morte a minha vida.